“Que o dizer faça nó”1
Núcleo de Pesquisa sobre Psicose 2
Comentário: Ana Viganó
Fred Stapazzoli, sem título, 2022. Acrílico sobre tela, 85x79cm
Sabemos que operar com os Nós implica operar com os registros, fazer suturas, emendas, cortes, enlaçamentos e mediações entre eles. Segundo Gabriel Racki3, a mediação, o “entre” os registros – é o que possibilita uma operação clínica, que ele denomina “ventilação de gozo”. O amor, segundo o autor, é um dos nomes possíveis para fazer “ventilar o afeto de um sintoma”. Mas de que amor se trata? “Amor como forma de gozo. Amor como passagem de um regime de um gozo a outro”4, ou seja, algo novo no amor.
O autor nos diz que este novo talvez não venha pela via do Nome do Pai. E, portanto, “devemos estar advertidos dos novos furos por onde a animação da vida entra nos corpos. Sem furos verdadeiros, a palavra de amor, a ressonância amorosa, não encontram passagem.”5
A partir daí a hipótese do amor mediação na clínica nodal das psicoses, sobretudo, o amor de transferência, foi o viés da nossa pesquisa ao longo deste ano, tendo nos acompanhado as seguintes questões: O que de “novo” sobre o amor se inscreve-escreve nesta passagem de um regime de gozo ao outro? Um novo enlaçamento é um novo amor? Que furo se constitui para fazer um novo enlaçamento? Como intervém e opera o analista na perspectiva do analista-sinthome?
Realismo Nodal
O nó como objeto matemático abstrato possibilitou a Lacan dizer que o nó não é modelo de estrutura, mas sim Real, a estrutura como tal. Dizer que há tipos de sintomas é dizer que há tipos de nós.
A partir do Seminário 23, o Sinthome será o quarto nó que, partindo do lapsus estrutural, permite a amarração entre os três registros evidenciando uma saída singular, uma solução inventada por cada sujeito para se haver com o impossível de enunciar. A clínica nodal permite também a escritura do que seria a estrutura, na qual o nó neurótico não é o nó psicótico - entramos aqui na diferença entre estes nós. A diferença se estabelece a partir do enodamento, do encadeamento, fazendo uma distinção entre o nó borromeo nas neuroses e o nó não borromeo nas psicoses.
Nas neuroses, é o Sinthome que amarra os três registros sustentando o espaço do “entre”. Quando um deles se corta, todos se separam. Nas psicoses a cadeia não borromeana resulta num modo distinto de amarração dos registros, ou seja, se um dos registros se solta, os outros dois se mantêm interpenetrados. Como exemplo, temos a esquizofrenia, onde o registro imaginário se solta, deixando o real e o simbólico interpenetrados.
Analista-sinthome
O sintoma endereçado ao analista convida-o a fazer parte desta estrutura. Na medida em que entra por esta via, a operação analítica passa a reenodar a estrutura subjetiva, operando uma suplência que reestabiliza. O analista funciona aí como um sinthoma.
Com a clínica dos nós, Lacan introduz um novo estatuto do Outro, que denomina Outro corpo, diferente do Outro do significante-lei que não se baseia no Sujeito Suposto Saber. Um Outro mais próximo ao real, que inclui o feminino. É nesta condição que o analista pode fazer parte do nó do analisante, como ilustra o fragmento clínico do caso “Uma mulher com o coração partido” do livro Nudos del análisis, de Nieves Soria6. Leitura que fazemos a partir das seguintes questões: O que a clínica das psicoses nos ensina sobre o contemporâneo e os laços possíveis a partir de cada suplência? Como ler o amor de transferência e a interpretação numa escrita nodal? Em que lugar topológico do nó se localiza o analista?
Maria tem 31 anos, chega à consulta por sofrer um certo desencadeamento a partir da renúncia ao trabalho, por não ter podido responder a uma demanda de sua chefe para solucionar um grave acidente, o que lhe exigia assumir uma posição perante a lei. Filha única, de pais que se separaram nos seus 4 anos, o pai, que faleceu há 7 anos, tinha formado outra família. Maria ficou morando com a mãe e refere ter uma relação simbiótica com ela. Teve dois surtos psicóticos, o primeiro depois do suicídio da avó paterna, que ocupava um lugar muito importante por ter sido o laço que tinha entre ela e o pai "que era mais difícil de tratar". A segunda internação foi no primeiro ano da faculdade, quando começou a sentir que os textos de psicologia eram um delírio.
De outro lado, aparece a questão com os homens. Reconhece que sempre escolhe homens distantes e se pergunta: "será porque meu pai estava longe?". Afirma que gostaria de ter uma relação afetiva, pois as últimas eram mais sexuais. Agora quer alguém que a abrace também. A questão do amor e dos homens abre uma dimensão de paranoia: o outro a olha pela câmera, lê seus e-mails, como acontece com um professor com quem teve alguns encontros sexuais. Abre-se uma vertente erotômana, e a analista intervém convocando-a às sessões duas vezes por semana, alojando-a na transferência. Perante esse sem limite, vai se delimitando na análise uma dimensão do amor, que já estava na estrutura. A analista vem a ocupar no enodamento o lugar que tinha a avó antes do desencadeamento.
Será a partir de uma intervenção “memorável” da analista que, introduzindo um vazio, desarma a certeza delirante, produzindo um efeito de limite no campo do gozo Outro.
Maria envia um e-mail para o professor pedindo-lhe que ao menos se despeçam com um abraço, o que evidencia a demanda de amor, da falta, do vazio. A analista intervém afirmando: “Tenho a sensação de estar diante de uma mulher com o coração partido”. Dadas as condições transferenciais, certa dimensão da interpretação do delírio é possível. A analista interpreta a vertente erotômana a partir da demanda de amor. É uma intervenção possível pela distância que tem o sujeito a respeito de seu delírio, ou seja, algo se fura no delírio produzindo um “entre”. E perante essa intervenção Maria responde: “Pode ser, como uma presença ausente, suponho que prefiro isso a nada”.
Esses manejos transferenciais permitem um ponto de basta pela via do simbólico. Portanto, é pela dimensão amorosa que a analista pode entrar no nó de uma forma que separe os registros, fazendo um furo, um “verdadeiro furo”, como menciona Lacan no Seminário 237, por onde é possível que uma ventilação de gozo se instaure. É o desejo da analista que vem produzir uma separação, funcionando como “ajuda contra”, no avesso do amor como ideal.
Lacan, no Seminário 24, articula o amor como vazio: “(...) a significação … é um termo vazio … o amor não é nada mais que uma significação … o amor é vazio.”8. Seria possível pensar o amor do analista-sinthome como um amor vazio? O desejo do analista como um desejo vazio? Um vazio de sentido, vazio de resposta à demanda de amor, para abrir o "furinho" que permita um novo enodamento entre os registros. Gabriel Racki amplia: "Somente a partir desse vazio é possível amar o pequeno invento “não-todista” que faça a “vida sintoma” mais satisfatória."9
E, por fim, nos perguntamos: seria o amor transferencial o avesso do amor? Um amor mais real que não encarna o ideal, um amor furado, poroso, e por isso, capaz de servir como “amor mediação”? Amor que abre os furinhos para que circule um gozo ventilado pela vida. São estas nossas questões e também nossa aposta: que o amor transferencial possa abrir um furo por onde, citando Lacan, o “dizer faça nó"10.
Comentário
Ana Viganó (NEL/AMP)
Lacan introduz os três registros bastante cedo. A primeira aparição dos três registros como RSI, como letras soltas, é um antecedente de todo o trabalho que Lacan faz com os matemas. Logo entram os grafos, e em seu caminho de formalização, anos mais tarde, se deparará com a topologia dos nós. Diz Lacan, “ à falta de outros recursos, opero com os nós, o melhor que encontro até esse momento”.
Primeiro, Lacan considera os nós uma metáfora, mas depois dirá que se trata da estrutura mesma. A aula que ele dedica inteiramente aos nós no Seminário 20 começa com algo muito simples, que inclusive alguém poderia questionar-se se é um nó quando coloca o nó trivial, que é simplesmente um círculo. No entanto, esse nó é importante, e creio que é o ponto central desse trabalho, como suporte da teoria. É como o elemento neutro da teoria dos nós, como o zero nos números, ou o vazio na teoria dos conjuntos; e aqui teríamos como três versões distintas, segundo a teoria que estamos tomando. O neutro, o furo, o zero e o vazio são versões distintas do mesmo. Nesse caso, se trata do círculo de corda e seu furo central, bases do nó. Círculo e furo são as bases do nó.
A meta de Lacan é a formalização matemática. Seu esforço é transmitir algo da experiência analítica, e recorre à matemática porque a matemática é escritura e a escritura pode ser transmitida. É também central, na lógica do passe, que algo possa ser transmitido com testemunhos. Isso abre campos diversos do que é a escritura.
Na continuidade desse círculo com o furo central, Lacan situa o aplanamento do nó, sua primeira versão, depois do zero, do furo e do círculo. Já não se trata do círculo simples, se trata de um enodamento em que uma linha corta a outra, passa por baixo, ou passa por cima. As superfícies começam a interpenetrar-se, ainda que, todavia, não estejam como tal. Introduz a ideia de que a corda ideal seria um toro, outra figura topológica que também permite trabalhar as diferentes noções de vazio e de furo.
O que segue, então, é mostrar que nos nós se tratam de toros, que incluem em si mesmos uma noção de furo. Assim temos múltiplos furos a considerar, ou vazios. O que segue então é mostrar um toro retorcido e situar algo como uma trindade, ou um nó trevo – a primeira escritura que lhe permite situar um e três ao mesmo tempo.
Desta maneira, com três lugares, em um só desenho, dá o passo seguinte que é, com os três toros, fazer o nó borromeo. O nó borromeo tem a particularidade de que dois círculos não estão enodados entre si, senão pela mediação de um terceiro, e isso é válido para qualquer um. Os três registros estão em igualdade de condições e a ideia de mediação começa a ser central, porque o furo é o central da mediação e isso toma muitas perspectivas na teoria do ultimíssimo Lacan. De mediação entre o quê e o quê? No nó borromeo, entre os registros. Entre um registro e outro, é um terceiro que media. Entre os registros, os furos entre eles. Mas, em definitivo, entre o corpo e as palavras, entre o nominável e o inominável.
Na intersecção dos três registros, no furo central deste desenho, Lacan situa algo, que é um paradoxo que temos que considerar sempre: no furo, há algo, o furo não está vazio. Então a noção de vazio e de furo não se superpõem, ao menos não todo. No furo, Lacan coloca algo que não é vazio, o objeto a.
No mesmo momento em que introduz a questão do nó borromeo, Lacan começa a falar de amor, começando não por qualquer amor, mas pelo amor divino. O primeiro modo de amor a partir do nó borromeo que Lacan toma é o do mandamento do “Ama”, que tem muita ressonância com a questão erotomaníaca da psicose. A voz imperativa e o amor como estrutural sob a forma erotomaníaca – a certeza de que o outro me ama – tem um certo paralelo com a religiosidade, porque diante do imperativo “ama” se supõe que Deus ama, e isso é uma construção especial. O amor divino estabelece uma relação entre o corpo e a morte. Faz com que o corpo advenha morte e a morte advenha corpo. Na religião católica isso se vê muito claro, por exemplo, na consagração do corpo, que depois se vai comer, além do mais, na comunhão de Deus, que se faz corpo humano, e logo morre, e que logo se reencarna a cada vez, em cada rito, em uma carne que se pode comer via o pão na comunhão. O amor religioso – o paradigma para Lacan é sempre a religião católica, mas poderia transferir a outras – consiste na entrega como objeto para o Outro que “me ama”, e isso tem grandes ressonâncias com as psicoses e a erotomania. Há um esvaziamento da dimensão sexual ou ao menos isso é pretendido, e se propõe uma abordagem não sexual ao mesmo tempo em que se introduz a dimensão do masoquismo do corpo. Há aqui o que Lacan situa como uma espécie de dimensão perversa, um impulso perverso do sexual, ao tentar esvaziar o sexual, mas mortificar o corpo e tê-lo presente permanentemente, por exemplo, no corpo crucificado de Cristo. A mortificação do corpo como uma satisfação perversa. E ao mesmo tempo, uma dessensibilização, à força de esvaziá-lo de sexualidade, na tentativa de dessensibilizar o corpo.
A partir desse percurso pelo amor divino é que Lacan volta às suas fórmulas do que é o amor lacaniano, que não é o amor divino. A fórmula do amor na qual o dom se dá por nada. Ou, o dom que se dá é um dom que não se tem. O dom é algo que circula, e se circula é porque foi recebido, e há que dizer que aqui, a introdução não é do feminino, senão da mãe. A primeira que ama é a mãe, em sua função. Até o Seminário 20, que é também um seminário sobre o amor, essa perspectiva do materno não está tão trabalhada, porque antes só valia o desejo da mãe como significantes. Ou seja, na metáfora paterna não intervém o amor materno, intervém o desejo da mãe e os três aí: desejo da mãe, nome do pai e falo. Aqui entra a perspectiva do amor. Alguém amou primeiro e esse alguém é materno, mais além do gênero da mãe. O outro dos cuidados, é o outro do amor, é o outro das primeiras palavras. Freud também havia advertido, mas Lacan o retoma a partir daqui: o que amou primeiro é o outro materno, que ama misturado com palavras, misturado com desejo, misturado com gozo. A partir daqui, há um dom que circula, porque foi recebido.
O desafio é fazer falar ao Outro de algo que não se sabe, porque começou assim; recebeu-se um dom falado por outros sem que se soubesse muito bem de que se tratava. A referência aqui é O banquete, de Platão. Lacan vai e vem nessas leituras, não vamos nos dedicar muito a elas, mas o paradigma que vai tomando é que sempre se faz o outro falar do que não se sabe e isso tem a ver com o amor. Por isso, uma das definições que Miller dá do amor, também, é que amamos quem nos diz quem somos. Fazemos o Outro dizer quem somos e o amamos ou; se nos diz espontaneamente, o amamos, simplesmente por isso. Nos diz algo que não sabemos sobre nós mesmos. Se trata então de uma intermediação, para voltar à noção de meio, de mediação entre sabedoria e ignorância. Se trata, na realidade, de que o que ama não pode falar do seu amor com sabedoria, como não pode falar de si mesmo com sabedoria, e faz falar a quem o faz, sem saber. O vazio desse entre sabedoria e ignorância é algo que se apresenta como central.
Vemos isso também, e Lacan retornou a isso várias vezes, no amor cortês, onde toda a literatura do amor cortês joga com esse vazio entre. Mas, para além do vazio, está presente também o gozo. Assim como no furo central dos nós está o objeto a, no vazio entre sabedoria e ignorância, está o gozo, que define como o núcleo de si mesmo. Trata-se, então, da articulação entre o amor e o vazio, sem deixar de considerar a articulação entre o amor e o gozo. Por isso é tão linda a referência de que o amor necessita aerar-se, respirar; mas cada vez que lhe damos lugar para respirar o que vai aparecer é o gozo contido nesse vazio. É poético, mas temos que saber que agita seu próprio núcleo; ao dar lugar ao vazio o que vai aparecer é o gozo – não aparece o vazio – aparece o gozo que habita esse vazio. Sabemos que o gozo pode queimar o amor, pode esmagá-lo; é algo que vemos no empuxo de nossa época. Se deixamos respirar, aparece o amor, mas não temos que idealizar isso, nem o passado nem o presente. Que o amor apareça, quer dizer isso, que também agita o gozo que habita em seu vazio.
Um amor que presentifique, então, algo da ordem do vazio, do poro, do furo, permitirá a produção de signos de amor, mas também de signos de gozo. Esse é um equilíbrio delicado que, me parece, trabalha muito bem a vinheta que vocês trazem.
A primeira questão no caso dessa mulher, que já havia tido outros surtos e que é claramente psicótica e que está em um desencadeamento outra vez, é que o primeiro surto foi depois do suicídio da avó paterna. Ela disse que, além disso, os pais haviam se separado aos seus 4 anos, quer dizer, há muitos anos não convivia com seu pai. Há 7 ele morreu. Mas o primeiro surto foi após o suicídio da avó paterna, de quem disse que ocupava um lugar importante por ter sido o laço que tinha entre ela e seu pai. A avó era o entre. Tão substancial esse entre, que com o suicídio da avó, ela surtou. A proximidade sem entre precipitou o desencadeamento.
A segunda consideração: os homens que elege são distantes. Tem lógica: ela necessita um entre nisso. O entre para ela é sexual. Enquanto ela tem relações que eram mais sexuais, mantém distância. É a lógica que ela traz, independentemente da novela dessa história. Agora bem, ela quer, e há uma vacilação; em seu momento estável há uma vacilação, ela quer alguém mais próximo, que a abrace também e isto é uma advertência enorme porque sabemos que a proximidade sem entre, ou com um entre pouco apropriado, pode precipitá-la ao desencadeamento. É uma advertência, é um desafio. A questão do amor a leva à paranoia, a demasiada proximidade retorna ameaçadora, tanto que pode levá-la ao surto.
Aparece a vertente erotomaníaca. Mas como a erotomania está situada com o professor, a analista quer trazê-la à transferência, com o risco que isso implica, que é desencadear a erotomania na própria transferência analítica. Não obstante assume o risco, para poder trabalhar, pedindo-lhe venha mais aqui, que é uma perspectiva que poderia ser confundida com ‘o analista me ama, me quer mais aqui’, e que é um risco a assumir e é preciso saber manejar. Tanto assim, me parece que vocês, ao final, se fazem uma pergunta que é complexa, ou pelo menos dentro de uma pergunta encontro essa dimensão complexa: “seria possível pensar o amor do analista-sinthome como um amor vazio?”. Fico com “o amor do analista”, porque a pergunta é se o analista ama. O “do” aqui é complexo e poderíamos dizer “o amor ao analista” ou “o amor de transferência”. Quem ama na transferência? O analista ama? Como o analista faz parte no amor de transferência, é amando? Me parece que há aí um deslizamento que o caso promove quando o analista chama, e pede “venha mais aqui”, e poderia entender-se, mal entender-se, como “eu te amo, venha, nos amemos na transferência”, que é uma aposta, mas com sumo cuidado, e se resolve muito bem na intervenção.
Depois desse alojamento da erotomania na transferência, o que acontece é que a analista vem a ocupar o lugar-enodamento que tinha a avó antes do desencadeamento, o lugar de entre – não de objeto de amor, nem de amor, nem de não amor – o lugar de entre. Mas ainda assim há a insistência do que se ativa quando se faz o vazio, o gozo em jogo. A paciente vem muito angustiada, invadida de gozo e excessiva com a questão persecutória com o professor. Que “ao menos se despeçam com um abraço”, que ao menos se dê a proximidade que é o que há que evitar e a analista o sabe. Mesmo assim, sua intervenção é preciosa: “minha sensação é estar à frente de uma mulher com o coração partido”. Uma intervenção que situa precisamente o que há, e dá dignidade a esse amor, longe de condená-lo ou questioná-lo ou querer curá-lo ou querer terapeutizá-lo, lhe dá toda a dignidade a este amor sob a perspectiva de desamor. Quer dizer, há um amor, não é correspondido, é de desamor que ela sofre. Esse é o acento da intervenção, que dá dignidade ao amor, sob a perspectiva de uma barra, sem consistência. Dignidade sem consistência. Uma mulher com o coração partido. Lhe diz, em um signo de amor, quem é ela. Trata-se de um signo de amor que não agita a erotomania, mas mantém o registro dentro do analítico, lhe diz quem é, faz dignidade desse amor, dignifica o que é estrutural para essa mulher, mas o marca com uma barra: “está partido”, há um desamor. Me parece que a intervenção é genial e permite que a paciente possa dizer, sem saber muito bem o que diz: “como uma presença ausente, suponho que prefiro isso a nada embora seja imaginado”. Na dimensão de presença/ausência cria um entre, aqui situado.
Transcrição e tradução: Carla Denyse Da Silva Cordeiro.
Revisão: Verônica Paola Montenegro e Adriana Rodrigues.
5. Racki, G. Novos poros do amor.
6. SORIA, Nieves. Nudos del análisis. Ed. Bucle, 2013, página 241. Tradução livre.
7. LACAN, J. Seminário 23, p. 133
10. LACAN, J. Seminário 22: Real, Simbólico e Imaginário (1974/1975). Inédito. Tradução livre.