A Primeira Entrevista de Acolhimento1

Mariana Zelis2


Foto: Tatiane Fuggi

Palavras-chave: Entrevistas preliminares; Psicanálise aplicada; Clínica pública de psicanálise.

Uma entrevista de acolhimento, de admissão, de entrada ao dispositivo ofertado, ou seja, de realizar uma experiência de análise com tempo limitado no contexto da psicanálise aplicada, seria uma entrevista preliminar? Qual a diferença desta proposta numa Clínica de Atendimento das entrevistas preliminares do dispositivo “clássico” numa psicanálise “pura”?

As entrevistas preliminares numa experiência de análise podem ser pensadas como um primeiro tempo lógico, um instante de ver, prévio ao que seria a entrada em análise propriamente dita, ou seja, até uma descontinuidade se estabelecer, surgindo, a partir de certa implicação subjetiva no sofrimento do sujeito, uma pergunta, um enigma pelo sofrimento, pelo sintoma. Certa localização do gozo sob transferência. Essa descontinuidade produz um segundo momento, a entrada em análise, a entrada no dispositivo analítico, no discurso analítico.

Aqui coloco minha pergunta: a primeira entrevista, na prática analítica com tempo limitado como seria proposto para o projeto da Clínica de Atendimento, seria preliminar a quê? É uma entrevista, mas não preliminar? Já que, poderíamos dizer, neste dispositivo de tempo limitado há outra modalidade de entrada em análise. Circunscrever essa questão, delinear as especificidades dessa entrevista me parece fundamental como orientação de trabalho e manejo da transferência.

Considero que essa questão encontra-se intimamente ligada à proposta da teoria dos ciclos desenvolvida por Miller3 para pensar a prática analítica nos CPCTs. Desde essa ótica, a primeira entrevista poderia ser preliminar à entrada no dispositivo ofertado? Poderíamos pensar que o preliminar seria então à entrada ao primeiro ciclo? A partir do qual o consentimento, enquanto implicação subjetiva, produziria certa localização de gozo, certa localização fantasmática $<>a ?

Nas clínicas de atendimento vinculadas ao campo freudiano, atualmente em funcionamento, qual perspectiva é dada a essa experiência? Como é considerada a primeira entrevista em PAUSA, no CPCT-Paris e na Rede de Psicanálise Aplicada na Bahia?

Na experiência realizada em PAUSA (Psicoanálisis Aplicado a las Urgencias Subjetivas de la Actualidad, EOL / IcdeBA), denominam de "admissão” a “primeira ou primeiras entrevistas antes de autorizar o início do tratamento com um dos terapeutas da instituição”.

O “admissor” se depara com “a decisão de interpretar ou não interpretar, dado que o tratamento o faria com um outro colega. A urgência, perante a tomada de decisão, fica do lado do praticante. Nisto não há diferença entre o que sucede numa admissão e o que seria uma primeira entrevista, preliminar, a uma análise. Sempre existe essa tomada de decisão do praticante perante a possibilidade de intervir ou não intervir, de realizar ou não o ato, com tato (...) mas, como pensar o papel do admissor numa instituição na qual se pratica a psicanálise? Trata-se de apostar na transferência que, como sabemos, é ao saber do inconsciente. O tato do admissor estará em como promover essa transferência, sem que por isso fique aderida a sua pessoa...”4

Pensar essa orientação já sinalizaria um tipo de intervenção desde a primeira entrevista em termos de “operação redução”, na qual o uso do “bom corte” na entrevista de acolhimento permitiria efetivar uma certa separação, como acontece no CPCT Paris :

“A primeira entrevista no CPCT-Paris procura separar aquele ou aquela que vem de uma fala tumultuada e desordenada para levá-lo a uma formulação a mais precisa possível do momento do impasse. A primeira entrevista tenta desenhar, definir as coordenadas que rodeiam a queixa do sujeito.”5

É preciso poder situar o estatuto da contemporaneidade da palavra, os usos da palavra quando o estatuto do Outro mudou, quando as “urgências” subjetivas parecem tomar um protagonismo. Também é preciso situar o estatuto da escuta, do que se ouve numa primeira entrevista: “implica extrair seguindo o fio do significante, sem se deixar levar pelos escorregões próprios à palavra.”6

Trabalho prévio da entrevista de acolhimento, tempo de “ver” pensado em termos de consentimento, “preliminar” à entrada na transferência com o praticante que atenderá, mas que, de alguma maneira, algum significante “qualquer” já poderá se colocar a trabalho. Um significante extraído, mas suspenso “à espera”, extraído pelo “bom corte” efetuado na primeira entrevista: abertura do inconsciente? O qual, posteriormente, poderá ser encarnado pelo praticante que atenderá, podendo se estabelecer aí uma transferência analítica.

Na Rede de Psicanálise Aplicada na Bahia, vinculada ao Instituto de Psicanálise da Bahia, a primeira entrevista é

(...) realizada pelo Mais Um de um determinado cartel, consiste, primeiramente, num acolhimento da queixa/demanda e numa avaliação sobre a possibilidade de atendimento a partir do que esta rede se propõe a oferecer. Mas não se resume a isso, visto que se trata do primeiro manejo do eixo estratégico da clínica – a transferência – que se estabelece, de início, via um pedido anônimo dirigido à instituição que depois se modaliza, associando-se ao nome de um praticante da psicanálise.7

Tendo essa perspectiva, no contexto da Psicanálise aplicada à terapêutica, uma entrevista de admissão poderia ser pensada como uma entrevista de acolhimento do sujeito, de acolhimento da fala, do dizer sobre seu sofrimento, na qual uma primeira “operação redução” seria possível: “Às vezes a extração de um significante isolado, de uma repetição, ou de uma nomeação, ‘vale como interpretação’ para o sujeito. Uma palavra pode acertar o alvo, versão mínima da interpretação.”8

Voltando à pergunta inicial, a primeira entrevista de acolhimento na prática analítica com tempo limitado, como seria proposto para o projeto da Clínica de Atendimento, seria preliminar ao início do primeiro ciclo, momento de encontro com um praticante da psicanálise, com o “desejo de um analista”, que poderá precipitar um tempo subjetivo, um instante de ver, que marcaria uma descontinuidade na vida de um sujeito e a possibilidade de uma experiência singular para tratar algo do sofrimento.


1 Texto apresentado na conversação Clínica promovida pelo ICPOL-SC em 20 de setembro de 2022. Ele é fruto da pesquisa realizada no cartel “Clínica de atendimento”.

2 Analista Praticante, membro da EBP/AMP Seção Sul e associada ao ICPOL-SC.

3 MILLER, J.A. Efectos terapéuticos rápidos. Buenos aires: Paidós, 2005.

4 MASCIALINO, N. La tentación del admisor. Pausapalabra. Disponível em: http://www.pausaurgencias.com.ar/pausapalabra/latentaciondeladmisor.html

5 MESEGUER, Omaïra. Uma redução pode tornar-se uma interpretação. In: Revista Varidade, n2, março/2023. Disponível em: https://www.varidade.com.br/index.php/uma-reducao-pode-tornar-se-uma-interpretacao

6 Ibidem.

7 Projeto RPA- Rede de Psicanálise Aplicada na Bahia.

8 MESEGUER, Omaïra. Uma redução pode tornar-se uma interpretação. In: Revista Varidade, n2, março/2023. Disponível em: https://www.varidade.com.br/index.php/uma-reducao-pode-tornar-se-uma-interpretacao

 

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