Uma redução pode tornar-se uma interpretação1
Omaïra Meseguer2
Fred Stapazzoli, sem título, 2023. [Estudo de monotipia pictórica]
Palavras-chave: CPCT (Centro Psicanalítico de Consulta e Tratamento); psicanálise aplicada; urgências subjetivas.
Um sofrimento que se tornou insuportável, um momento de impasse subjetivo, um instante em que tudo muda, uma angústia persistente, uma inibição maciça são alguns dos motivos apresentados por quem solicita o tratamento ao CPCT-Paris.
É o vacilar daquilo que fazia manter o nó do laço social, às vezes enlaçado precariamente, que conduz a fazer uma demanda de fala ao CPCT. O esgarçamento do tecido que sustentava o sujeito conduz a uma certa urgência de dizer.
No CPCT-Paris, a primeira entrevista tenta identificar o momento preciso em que o sujeito decide não ficar mais sozinho diante do que se tornou insuportável para ele. Uma certa forma de urgência subjetiva é muitas vezes tangível, o que não se deve confundir com a urgência psiquiátrica. É porque as urgências podem, às vezes, se sobrepor, que a questão do diagnóstico é um componente importante do dispositivo. O tratamento proposto, de dezesseis sessões, pode ser uma oportunidade para esclarecer, achar uma saída, reamarrar o que foi rompido, mas não deixa de ser um dispositivo modesto. Uma decisão esclarecida se impõe a cada vez: um tratamento curto pode ser conveniente em certos momentos, em outros não.
Ser ouvido
A escuta analítica não é uma proposta de diálogo, ela dá lugar a uma maneira inédita de ser ouvido, de ser questionado e de ser orientado a partir de sua própria enunciação. Isso produz efeitos inegáveis. A primeira entrevista no CPCT-Paris procura deslocar a pessoa de uma fala tumultuada e desordenada para que chegue a uma formulação que seja a mais precisa possível do momento do impasse. A primeira entrevista tenta desenhar, definir as coordenadas que rodeiam a queixa do sujeito para tirar de cena o “desde sempre”, o “tudo vai mal” e os diagnósticos estereotipados veiculados pelo discurso comum. A primeira entrevista no CPCT não é uma entrevista preliminar a um tratamento analítico, mas nela se inspira. Busca-se, ali, obter uma primeira redução, condição necessária para o tratamento. A aposta de dizer sim ao início de um tratamento no CPCT se sustenta sobre esta primeira redução, já que o tempo é contado. Reduzir implica extrair seguindo o fio do significante sem se deixar levar pelos deslizamentos próprios à fala. Às vezes, a extração de um significante isolado, de uma repetição, ou de uma nomeação, “vale como interpretação” para o sujeito. Uma palavra pode acertar o alvo, versão mínima da interpretação.
Uma maneira discreta de interpretar
Durante o tratamento no CPCT, a escuta se articula com uma maneira discreta de interpretar. O tratamento curto requer ainda mais que as sessões sejam consideradas como unidades separadas, a fim de acompanhar o mais de perto possível o andamento do tratamento e para que este possa operar. O praticante intervém sublinhando, destacando, cortando, recolando. A redução própria ao tratamento curto conduz a uma prática minimalista da interpretação que abre a uma localização. Um efeito possível é o de encontrar uma nova maneira de segurar, de reamarrar incluindo uma noção do real em jogo. Os efeitos terapêuticos rápidos devem estar ligados à descoberta, pelo sujeito, de uma maneira precisa de ler sua própria enunciação.
A clínica do CPCT e de outros institutos de psicanálise aplicada permite medir quanto o discurso ambiente impregna, extravia, coloca num nevoeiro os parlêtres3 contemporâneos. Ele permite discernir até que ponto os significantes da época são convocados para falar pela via da generalização, maneira de dissuadir o mais íntimo. “Como podemos interpretar sem estar a par das formas contemporâneas do discurso universal? [...]. Atualmente, estamos constantemente inundados [de] discurso universal. [...] [o que] condiciona nossa prática profissional”4, nota Jacques Alain Miller. Os consultores5 e praticantes do CPCT-Paris, através de sua busca por precisão - e este é um ponto fundamental - contrapõem a corrosão produzida pelas nomeações generalizantes que nossa época produz, abrindo caminho em direção ao singular. Reduzir pode ter efeito de interpretação, pois, agarrando “uma pequena coisa qualquer”6 o clínico do CPCT abre a novas leituras, até então inesperadas.
Tradução: Laureci Nunes
Revisão: Eleonora Castelli
1. Artigo publicado originalmente na Nouvelle Série, L’Hebdo-blog 264, em 14 de março de 2022. Cedido e revisado por Omaïra Meseguer.
2. Omaïra Meseguer é analista, Membro da École de la Cause Freudienne (ECF/AMP), diretora do CPCT-Paris.
3. Parlêtre, neologismo de Lacan para referenciar “seres falantes”, ou seja, o ser humano enquanto criatura cuja existência passa pela fala.
4. MILLER, J.-A. Conversation d’actualité avec l’École espagnole du Champ freudien, 2 mai 2021 (I). La Cause du désir, n°108, juin 2021, p. 51.
5. N.T -Refere-se aos membros da ECF que realizam a primeira consulta e que funcionam como êxtimos nas discussões clínicas.
6. LACAN, J. Conférence de presse du docteur Jacques Lacan. VIIe Congrès de l’École Freudienne de Paris, Rome (1974), Lettres de l’École Freudienne, n°16, novembre 1975, p. 15.