O ensino no instituto: Um ponto de reflexão

                                                                                   Maria Teresa Wendhausen1 


Fred Stapazzoli, sem título, 2022 [Estudo de monotipia pictórica]  

Parto do seguinte: se o funcionamento da Escola se funda e se orienta pelo saber suposto e pela experiência do passe e o Instituto lhe serve de aguilhão – “no que o saber suposto, próprio do discurso analítico, tende a um processo inexorável de autofagia”, como nos coloca Jésus Santiago2, nem por isso o saber exposto, predominante no Instituto, deixa de guardar relação com o discurso analítico. Então, qual é esta relação? 

Miller no texto Prólogo de Guitrancourt, após nos esclarecer por que em nenhuma parte do mundo existe diploma em psicanálise e nos colocar que não se trata de uma advertência ao acaso, mas por razões devidas à essência do que é a psicanálise, nos diz que “no se ve cuál podría  ser la prueba de capacitación que verificaría al psicoanalista, ya que el ejercicio del psicoanálisis es de orden privado, reservado a la confidencia que el paciente hace a un analista de lo más íntimo de su cogitación”3

Mostra como o material desta prova não poderia estar do lado do analista pela interpretação, e nos diz que isto é devido ao fato de que o inconsciente freudiano só se constitui em relação com a palavra, não pode homologar-se fora dela, e acrescenta que além disto ela nada prova em si mesma, senão pelos efeitos imprevisíveis que suscita naquele que a recebe e isto no marco da mesma relação. Conclui que por aí não há saída, em relação à prova de capacitação do analista. 

Poderíamos ainda, prossegue, receber o analisante para que ele ateste a capacidade do analista, porém Miller adverte que seu testemunho é falseado pelo efeito de transferência que se instala de entrada e às suas custas e não dá nenhuma segurança do trabalho que se fez. 

Assim, após desenvolver as razões pelas quais esta prova não poderia vir do analista nem do analisante, diz que o único testemunho que se poderia receber seria o de um analisante pós transferência “lo que aquí designo como el testimonio del analista es el núcleo de la enseñanza del psicoanálisis, en tanto que éste responde a la pregunta de saber qué es lo que puede transmitirse al público de uma experiência essencialmente privada”4.  

E diz que há toda uma gradação entre o passe e o ideal de seu ensino dado por Lacan, o matema:  

(...) el testimonio del pase, todavía sobrecargado con la particularidad del sujeto, está confinado a un círculo restringido, interno al grupo analítico; la enseñanza del mathema, que debe ser demostrativa, es para todos – y es ahí donde el psicoanálisis se encuentra con la Universidad. 5 

A partir daí, define o que é e o que não é este ensino: 

Es universitaria; es sistemática y gradual; la imparten responsables cualificados; se sanciona con Certificados y Diplomas. No es algo que habilite para el ejercicio del psicoanálisis. El imperativo formulado por Freud a partir de 1910, que un analista sea analizado, fue no sólo confirmado por Lacan sino radicalizado desde el momento en que un análisis no tiene otro fin propio que la producción de un analista.6

Por fim, Miller faz uma última observação a respeito de não ser um paradoxo a mais estrita exigência a se fazer para aquele que se coloca à prova em uma função de ensino sem precedentes: 

(...) ya que el saber enseñado, se obtiene su autoridad por su coherencia, sólo encuentra su verdad en el inconsciente, es decir, en un saber en el que no hay nadie para decir “yo sé”. Lo que se traduce en lo siguiente: que sólo se dispensa una enseñanza  en el Campo Freudiano a condición de sustentarla como una elaboración inédita, por modesta que sea.7 

É ainda Miller quem, no texto Lógicas do não-saber em psicanálise, afirma que se trata “de um saber do qual não sei que estou implicado e que me ultrapassa”.8 Dá a definição de Lacan do inconsciente que se segue à sua Proposição9: “Algo que se diz, sem que o sujeito saiba o que diz”.10  Portanto, podemos concluir que trata-se de um dizer, de um ato. 

Parece que é neste ponto que o saber exposto, próprio ao Instituto, guarda relação com o discurso analítico e, por isto mesmo, se diferencia do saber exposto da Universidade, ainda que se encontrem, como assinalado por Miller acima. 

Podemos a partir daí concluir que a observação feita por Miller aponta um lugar desde a posição analisante para aquele que ensina no Instituto, posição a partir da qual Lacan se colocava em seu ensino? Em caso afirmativo, que consequências podemos extrair daí? 

Deixo em aberto essas questões para a continuidade de minha pesquisa sobre este tema. 


1. Analista praticante, membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP-Seção Sul) e Associação Mundial de Psicanálise (AMP).

2. SANTIAGO, J. O que é o instituto?. Disponível em: http://www.institutopsicanalise-mg.com.br/index.php/2-uncategorised/37-o-instituto. Acesso em 27/11/22. 

3. MILLER, J.A. Prólogo de Guitrancourt. Disponível em:  https://www.redicf.net/prologo-de-guitrancourt/ Acesso em 27/11/22.

4. Ibid

5. Ibid

6. Ibid

7. Ibid

8. MILLER, J. A. Lógicas do não-saber em psicanálise. Opção lacaniana, n. 61, p.22, nov/2011 

9. LACAN, J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In _____Outros escritos.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. (pp. 249-264). 

10. LACAN, JEscritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003.

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