Apresentação do Cartel “Clínica de Atendimento em Psicanálise”

Iordan Gurgel1


Foto: Patricia Boeing

Palavras-chave: Psicanálise Aplicada; Formação do Analista; Clínica Pública de Psicanálise.

A ideia de criação de uma Clínica de Atendimento no âmbito do ICPOL-SC (Instituto Clínico de Psicanálise de Orientação Lacaniana de Santa Catarina) levou Adriana Rodrigues, Laureci Nunes, Mariana Zélis e Maria Teresa Wendhausen a me escolherem para Mais-um. Assim, formalizamos um cartel registrado no catálogo da EBP sob a rubrica Clínica de Atendimento, que nesta oportunidade oferece aqui o produto destes 16 meses de trabalho.

É uma iniciativa valorosa associar o trabalho no Instituto com o trabalho de cartel, órgão de base da Escola. É associar a formação com a investigação da prática clínica em um projeto apoiado nos cartéis, reuniões clínicas, conversação e supervisão.

Para Lacan, a psicanálise só se aplica, em sentido próprio, como tratamento e, portanto, a um sujeito que fala e que ouve. As experiências de psicanálise aplicada à terapêutica devem estar voltadas para o modo de funcionamento da Escola, submetidos à sua política e atrelados à sua formação.

No esforço de incorporar os resultados da prática clínica na teoria, pensando num trabalho de uma clínica de atendimento num Instituto de psicanálise nos marcos do Campo Freudiano, de modo geral, é sempre importante levar em consideração a necessidade de estabelecer discussões regulares entre os participantes sobre a elaboração da prática, e isso se distingue da supervisão propriamente dita. Outro ponto fundamental é enfatizar a formação dos praticantes, ou seja, análise pessoal, supervisão e participação ativa nos Seminários de Orientação Lacaniana e de textos fundamentais, promovidos pela Escola, bem como a transmissão realizada nos Institutos.

De um modo mais específico, são muitas as questões envolvidas na formação de um centro de atendimento em psicanálise e algumas delas foram trabalhadas pelas colegas do cartel e vocês poderão acompanhar na sequência dos próximos quatro artigos.

O primeiro artigo desta seção começa com a instigante pergunta de Adriana Rodrigues: “Porque uma Clínica de Atendimento no ICPOL-SC?”. Ela começa a responder com Freud, a partir da história das clínicas públicas de atendimento nos Institutos de psicanálise, chegando ao Campo Freudiano que, desde 1999, na França, por iniciativa de Jacques Alain Miller, iniciou um movimento culminando com a criação do CPCT (Clínica Psicanalítica de Consulta e Tratamento), em 2003. Iniciativa pensada como uma forma de se fazer presente na cidade, atender àqueles que não tinham acesso a um tratamento psicanalítico em consultório particular, mas, também, demonstrar, a curto prazo, os efeitos terapêuticos da psicanálise a partir do encontro com um analista. Esta experiência inicial gerou outras iniciativas sob a égide da “ação lacaniana”.

A leitura de Adriana é que uma Clínica de Atendimento no ICPOL-SC resulta do desejo de escutar, sob transferência, o que ecoa na cidade, num projeto de enlace clínico-político, mas também, é uma abertura para um novo momento, que vai além da posição de acolher as demandas pela oferta de ensino e formação teórica e caminha em direção à cidade – é uma forma de presentificar a psicanálise no Outro social e fazer um contraponto ao discurso do mestre, abrindo espaço para que algo do sujeito do inconsciente possa aparecer.

Já Mariana Zélis se interessou pelo modus operandi do dispositivo e traz sua contribuição sobre a primeira entrevista de acolhimento, distinguindo das entrevistas preliminares a entrada em análise. A partir da pergunta “preliminar a quê?”, faz um percurso para delinear as especificidades desta entrevista, o que é fundamental como orientação de trabalho e manejo da transferência. Apesar de se manter no campo das perguntas, Mariana vai elaborando algumas possibilidades que, sem dúvida, contribuem neste processo de construção deste dispositivo.

Seria preliminar à entrada no dispositivo, à entrada ao primeiro ciclo (tema que será desenvolvido por Laureci), preliminar ao consentimento, enquanto implicação subjetiva e localização de gozo. Outro tema relevante é a passagem da primeira entrevista (com um consultor, que na experiência do Instituto da Bahia é o Mais um do cartel) para o praticante que vai continuar o tratamento.

A conclusão parcial a que chega Mariana é considerar se tratar, no contexto da psicanálise aplicada à terapêutica, de uma entrevista de admissão com o acolhimento do sujeito, acolhimento de sua fala, do dizer sobre seu sofrimento com a função de desenhar e definir as coordenadas que rodeiam sua queixa.

Em continuidade, temos a “teoria dos ciclos”, que foi o tema escolhido por Laureci Nunes, que propõe tomá-la como norteadora desta experiência, com o desafio de transmitir as consequências dos efeitos do encontro com um praticante da psicanálise, tomando como relevo o processo de redução e ressaltando a possibilidade de que sempre se pode abrir um novo ciclo, mas considerando que teria cada ciclo sua completude.

Laureci faz um apanhado importante sobre esta proposta de Miller, que nos convoca a conceber a psicanálise não como indefinida, mas como um tratamento e sessões termináveis e, mais ainda, que devemos nos impor o desafio de transmitir as consequências dos efeitos do encontro com um analista. A questão passa a ser como transmitir esta experiência de efeitos inegáveis.

Laureci vai desenvolvendo sua temática, trazendo aportes sobre a caracterização de um ciclo e, a partir da experiência da RPA-Bahia (Rede de Psicanálise Aplicada da Bahia), com a teoria dos ciclos e também de sua própria experiência clínica, nos propõe conceber o dispositivo de psicanálise aplicada do ICPOL-SC sustentado nesta proposta.

E finalmente, vamos escutar a apresentação de Teresa, “O caso clínico, o ensino e a formação do analista”, abordagem fundamental quando tratamos de um dispositivo de psicanálise aplicada. Tomada pela questão de distinguir entre ensino e ensinar, questão que coloca de pronto a relação Instituto-Escola, nos alerta que não há caso clínico sem Escola, justamente porque o saber inclui o não-todo. É neste sentido que podemos dizer que, a Escola Orienta o Instituto e o Instituto potencializa a Escola.

Na sequência, Teresa pergunta se poderíamos supor que o caso clínico teria um efeito possível de furo na pretensão de formação do analista. O Instituto, que comporta a produção do saber construído, em um modelo para-universitário, necessário a formação em psicanálise, não funciona sem a parceria com a Escola.

Ao considerar a formação do psicanalista, lembra Miller quando ele diz: “não se pode prepará-los com o ensino e sim com a experiência, colocando em tensão ensino – que não habilita para o exercício da psicanálise – e a experiência, que implica a dimensão epistêmica, a análise pessoal e a supervisão. A função do ensino deve ser colocada à prova ao se considerar que só é exequível se sustentado por uma elaboração inédita, isto é, se há enunciação”.

Fica o convite para uma apreciação mais detalhada do que nossas colegas prepararam para contribuir no projeto de psicanálise aplicada à terapêutica no ICPOL-SC.


1 Psiquiatra. AME - Analista Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, Seção Bahia.

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